Compadrio e conchavo na terra do 'Fala com a Márcia'

 Nos idos de 1630, Frei Vicente Salvador, considerado o nosso primeiro historiador, escreveu um belo opúsculo e o chamou de História do Brazil. O nome do país nem ao menos se escrevia com s e o franciscano já concluía: “nenhum homem nessa terra é republico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.

Como se vê, desde o início dessa breve história de cinco séculos, era patente a nossa dificuldade de construir maneiras compartilhadas de poder e zelo pelo bem comum. Em seu lugar, várias formas de compadrio, o recurso a pistolões, o famoso hábito de furar fila e levar vantagem se enraizaram nessa terra do favor e do uso abusivo do Estado para fins privados. E foi com esse tipo de “bom exemplo” que o prefeito Crivella presenteou seus cidadãos nessa semana.

A despeito de afirmar que não misturaria política com religião, em agenda secreta no Palácio da Cidade, ofereceu ajuda a 250 pastores e líderes de igrejas que tivessem problemas com IPTU em seus templos, e quisessem angariar fiéis, a partir da oferta de cirurgias de catarata e varizes. Mais ainda, fazendo uso da lógica da intimidade, endereçou os pedidos à Márcia e ao Marquinhos, que agilizariam um canal direto e privilegiado a esses serviços públicos.

Se Crivella cortou incentivos para eventos como a Parada Gay e a procissão de Iemanjá, não teve pejas em definir “sua prefeitura” como o caminho certo “para arrumar nossas igrejas”.

O certo é que persiste no Brasil um sério déficit republicano. Enquanto práticas patrimoniais e clientelistas imperam no interior do nosso sistema político e nas instituições públicas, a corrupção vai virando endêmica, sendo associada tanto ao mau trato do dinheiro público, como ao descontrole das políticas governamentais.

Frei Vicente não tinha como saber, mas foi clarividente. Vote nele para prefeito!

[Publicado na coluna de Ancelmo Gois. 22/07/2018]

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